Antes das “joias das Arábias”, o ex-presidente Jair Bolsonaro já tinha dado motivos para inúmeras investigações e até acusações criminais. Só que a temporada no Palácio do Planalto lhe deu presente tão valioso quanto um diamante: um procurador-geral da República (PGR) indisposto a investigar ou processar crimes cometidos durante o mandato presidencial.
É justamente por essa inação do atual PGR, Augusto Aras, que Bolsonaro se sentiu seguro tanto para aceitar joias avaliadas em mais de R$ 16 milhões quanto para atropelar limitações administrativas e tributárias ao trazê-las para o Brasil, avalia o jurista Claudio Fonteles, ex-procurador-geral da República no primeiro governo Lula (2003-2005).
“A situação de Bolsonaro chegou a esse ponto pela omissão do PGR. Se tivesse um procurador da república que atuasse desde o primeiro ataque do ex-presidente contra o STF ou o Congresso, a situação não teria chegado a esse ponto”, afirmou Fonteles em entrevista à coluna.
O ex-PGR considera “gravíssimos” os fatos já revelados sobre as joias milionárias de Bolsonaro. Como outros especialistas, Fonteles vê indícios de crimes de corrupção ou peculato no recebimento e na tentativa de ficar com os presentes, além de indícios de descaminho na entrada ilegal em território brasileiro.
“São indícios muito fortes. Todo o discurso de combate à corrupção caiu por terra”, acrescenta Fonteles.
Contra novos episódios de omissão da PGR diante de possíveis crimes presidenciais, Fonteles defende que seja feita uma reforma constitucional para obrigar o presidente da República a seguir uma lista tríplice votada pela categoria de procuradores, na hora de escolher o próximo chefe do Ministério Público Federal. A reforma também deveria impedir a permanência no cargo por mais de um mandato e proibir que o PGR assuma outra função pública externa depois dessa experiência, diz o ex-PGR. Isso impediria voos posteriores ao Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo.
“Urge repensarmos a mudança do texto constitucional para que possa fazer valer um princípio fundamental na defesa de democracia, que é o princípio da independência funcional. Como dar instrumentos para preservar esse instrumento? Proibir a pessoa de se reconduzir ao cargo e de exercer qualquer outra função (fora do Ministério Público) posteriormente”, avalia Fonteles.