Pessoas que já tiveram dengue têm uma proteção maior contra zika. A conclusão é parte de um estudo publicado nesta quinta-feira (07/02) na renomada revista Science, assinado por pesquisadores da Universidades de Pittsburgh, Yale e da Flórida, nos Estados Unidos.
Transmitida pelo mosquito Aedes, o vírus da zika pode causar febre, erupções cutâneas, conjuntivite, dores nas articulações, mal-estar e dor de cabeça, além da síndrome de Guillain-Barré. Quando adquirida por mulheres grávidas, a doença pode causar microcefalia no bebê.
Para chegar ao resultado, cientistas acompanharam 1453 moradores da comunidade Pau de Lima, na capital da Bahia, durante o surto de zika no pais, em 2015. Desse total, um grupo de 642 tinha sofrido com dengue previamente, como os testes desenvolvidos e patenteados pela Universidade de Pittsburgh confirmaram.
“O que se observou é que pessoas que tinham muitos anticorpos pra dengue se infectavam menos por zika”, comenta Ernesto Marques, professor associado do Departamento de Doenças Infecciosas e Microbiologia da Universidade de Pittsburgh e pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz no Brasil.
A ciência já tinha demonstrado que, depois de ser infectado por dengue, o paciente desenvolve uma certa proteção contra essa doença. Esses anticorpos podem evitar a contaminação por outros tipos de dengue – existem pelo menos quatro circulando no Brasil. Por outro lado, eles também podem contribuir para que uma próxima infecção por dengue seja mais grave.
“O que não se sabia é que esses anticorpos que reagem cruzado causavam essa interferência com o vírus da zika também”, afirma Marques.
Zika e dengue pertencem a um mesmo gênero de vírus, o flavivirus. Desse grupo fazem parte mais de 30 espécies, como as que causam febre amarela, febre do Oeste do Nilo, encefalite japonesa, entre outros.
Segundo Marques, é comum que, logo após uma epidemia de dengue, toda uma comunidade fique “imune” por até dois anos – tempo em que os anticorpos produzidos em resposta à contaminação costumam ficar ativos no corpo.
Embora o Brasil tenha muitos casos de dengue, os níveis de anticorpos contra a doença não chegam a ser tão elevados quanto o observado no Sudoeste da Ásia. “Em países como Tailândia e Filipinas, em que os níveis de anticorpos são bastante altos desde uma idade muito pequena, não foram registrados casos de microcefalia ou doença congênita causados por zika, por exemplo”, menciona o pesquisador, sobre a relação entre as duas doenças.
Para os cientistas que participaram do estudo, a associação comprovada na pesquisa sugere que uma vacina contra dengue poderia também reduzir o risco de contaminação por zika.
“Isso pode ser estudado como uma solução temporária para as gestantes. Pode ser que funcione como uma proteção pequena e temporária, apenas para aquela situação”, comenta Marques. “Mas ainda não temos essa resposta. De qualquer forma, isso não substitui uma vacina contra zika”, ressalta.
No fim de janeiro, um outro estudo publicado na PLOS Medicine por pesquisadores da Universidade de Michigan e Beckley mostrou que crianças que já tinham sofrido com dengue estavam mais protegidas contra zika.
“Percebemos que a imunidade adquirida após a dengue protege crianças de apresentarem os sintomas da zika. Elas podem até ser infectadas, mas não apresentam os sintomas”, detalhou Aubree Gordon, uma das autoras.
A pesquisa foi conduzida com 3700 crianças entre 2 e 14 anos em Manágua, na Nicarágua.
Entre as que adquiriram zika, os pesquisadores descobriram que aquelas com uma infecção prévia por dengue tinham 38% menos chance de desenvolver os sintomas da zika.
“O fato de que a imunidade contra o vírus da dengue protege contra o zika levanta questões sobre a relação inversa: a imunidade ao vírus zika protege contra a dengue?”, aponta Gordon sobre os prováveis rumos da pesquisa.
Para a cientista, é importante que novos estudos se dediquem ao tema, já que as informações podem ser determinantes no desenvolvimento de vacinas contra dengue e zika.
A criação de vacinas seguras para toda a população ainda é um desafio. Atualmente, há apenas uma contra a dengue disponível no Brasil com o registro da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Após cinco anos de monitoramento, a Anvisa informou que a vacina é indicada para pessoas que moram em áreas endêmicas e que já tiveram contato com o vírus. A medida não é aconselhável para quem nunca teve contato com o vírus. O monitoramento mostrou que, nesses casos, quando o paciente toma a vacina e contrai a dengue depois, o risco de a doença se desenvolver de forma mais grave é maior.